Foto: Pedro Valente Lima |
O NaturPorto decidiu lembrar a poesia e a Primavera com cinco poemas inspirados na Natureza. E porque divulgamos o Porto, uma curiosidade: todos os textos que vais encontrar mais abaixo foram escritos por poetas que nasceram ou viveram na Invicta.
Agostinho da Silva
Um dos principais pensadores portugueses do século XX, nasceu no Porto, em 1906. Estudou Filosofia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e viveu no Brasil entre 1944 e 1969, para fugir ao regime Salazarista. Faleceu em 1994, em Lisboa.
Praia
Minha praia ardorosa e solitária
aberta ao grande vento e ao largo mar
tu me viste querer-lhe com a doce
piedade das sombras do luar
teus cabos se adiantam como braços
para abraçar as ninfas receosas
que fugindo oferecem sobre as vagas
suas nítidas formas amorosas
braços paralisados por desejo
que o mundo e sua lei não permitiu
ou suspendeu amor que livre jogo
maior que posse em fugaz tempo viu
e como vós me alongo e como tu
areia me ofereço a toda sorte
por sua liberdade ou por destino
que por só dela seja belo e forte.
aberta ao grande vento e ao largo mar
tu me viste querer-lhe com a doce
piedade das sombras do luar
teus cabos se adiantam como braços
para abraçar as ninfas receosas
que fugindo oferecem sobre as vagas
suas nítidas formas amorosas
braços paralisados por desejo
que o mundo e sua lei não permitiu
ou suspendeu amor que livre jogo
maior que posse em fugaz tempo viu
e como vós me alongo e como tu
areia me ofereço a toda sorte
por sua liberdade ou por destino
que por só dela seja belo e forte.
Agostinho da Silva, in "Poemas"
Saúl Dias
Saúl Dias é o pseudónimo poeta de Júlio Maria dos Reis Pereira, irmão do famoso José Régio. Nasceu em 1902, em Vila do Conde. Destacou-se mais na área da pintura, fazendo parte do movimento modernista português. Faleceu na terra natal, em 1983.
Todos os Dias
Todos os dias
nascem pequeninas nuvens,
róseas umas,
aniladas outras,
nacaradas espumas...
Todos os dias
nascem rosas,
também róseas
ou cor de chá, de veludo...
Todos os dias
nascem violetas,
as eleitas
dos pobres corações...
Todos os dias
nascem risos, canções...
Todos os dias
os pássaros acordam
nos seus ninhos de lãs...
Todos os dias
nascem novos dias,
nascem novas manhãs...
nascem pequeninas nuvens,
róseas umas,
aniladas outras,
nacaradas espumas...
Todos os dias
nascem rosas,
também róseas
ou cor de chá, de veludo...
Todos os dias
nascem violetas,
as eleitas
dos pobres corações...
Todos os dias
nascem risos, canções...
Todos os dias
os pássaros acordam
nos seus ninhos de lãs...
Todos os dias
nascem novos dias,
nascem novas manhãs...
Saúl Dias, in "Essência"
Fernando Guimarães
Nasceu no Porto, em 1928. Ao longo da vida, colaborou com vários jornais e revistas. Como poeta e ensaísta, ganhou vários prémios. Pelo seu grande contributo para a literatura portuguesa, foi feito Comendador da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, em 1994.Árvore
Conheço as suas raízes. É tudo o que vejo.
Há um movimento que a percorre devagar. Não sei
se ela existe. Imagino apenas como são os ramos,
este odor mais secreto, as primeiras folhas
aquecidas. Mas eu existo para ela. Sou
a sua própria sombra, o espaço que fica à volta
para que se torne maior. É assim que chega
o que não passa de um pressentimento. Ela compreende
este segredo. Estremece. Comigo procuro trazer
só um pouco de terra. É a terra de que ela precisa.
Há um movimento que a percorre devagar. Não sei
se ela existe. Imagino apenas como são os ramos,
este odor mais secreto, as primeiras folhas
aquecidas. Mas eu existo para ela. Sou
a sua própria sombra, o espaço que fica à volta
para que se torne maior. É assim que chega
o que não passa de um pressentimento. Ela compreende
este segredo. Estremece. Comigo procuro trazer
só um pouco de terra. É a terra de que ela precisa.
Fernando Guimarães, in "Limites para uma Árvore"
Francisco Bugalho
Apelidado por José Régio como o "pintor da Natureza", nasceu no Porto em 1903, mas foi em Castelo de Vida que se estabeleceu. A sua obra debruça-se maioritariamente sobre o ambiente rural alentejano. Faleceu em 1949.Humildade
As águas beijei,
As nuvens olhei,
Às árvores cantei,
Na sua beleza.
Os bichos amei,
Na sua bruteza,
Na sua pureza,
De forças sem lei.
E porque os amei
E os acompanhei,
Não me senti rei
Na Mãe-Natureza.
Francisco Bugalho, in "Paisagem"
Todo o luar das noites transparentes
Todo o fulgor das tardes luminosas
O vento bailador das Primaveras
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
És tu a Primavera que eu esperava,
A vida multiplicada e brilhante,
Em que é pleno e perfeito cada instante
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
És tu a Primavera que eu esperava
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Obra Poética"
As nuvens olhei,
Às árvores cantei,
Na sua beleza.
Os bichos amei,
Na sua bruteza,
Na sua pureza,
De forças sem lei.
E porque os amei
E os acompanhei,
Não me senti rei
Na Mãe-Natureza.
Francisco Bugalho, in "Paisagem"
Sophia de Mello Breyner Andresen
Uma compilação de poemas sobre a Natureza não podia esquecer Sophia. Nasceu no Porto, em 1919. Criada no seio de uma família abastada, passou a infância no Jardim Botânico do Porto, na altura Quinta do Campo Alegre, propriedade do seu pai. Conta com uma vasta obra, que vai de contos a livros infantis. Dos vários prémios que venceu, destaca-se o facto de ter sido a primeira mulher a vencer o Prémio Camões, prémio máximo da literatura portuguesa. Além da literatura, foi uma voz ativa no círculo político, o que resultou na sua eleição para a Assembleia Constituinte, em 1975. Faleceu em 2004 e o seu corpo está desde 2014 no Panteão Nacional.
As Rosas
Quando à noite desfolho e trinco as rosas É como se prendesse entre os meus dentesTodo o luar das noites transparentes
Todo o fulgor das tardes luminosas
O vento bailador das Primaveras
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
És tu a Primavera que eu esperava,
A vida multiplicada e brilhante,
Em que é pleno e perfeito cada instante
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
És tu a Primavera que eu esperava
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Obra Poética"
Para terminar, um outro tipo de poesia: uma pintura de Aurélia de Sousa, também portuense. O quadro é uma representação da vista desde a Quinta da China, nas margens do Douro, que pertenceu aos pais da autora.
Pintura: Aurélia de Sousa |
Autor: José Volta
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